Desde pequena.
Eu me lembro de ter muito medo de
enlouquecer desde pequena. Mais de um quarto de século se passou da existência de minha vida, a psicologia
afirma que essa é a idade de risco qual a psicose acontece, mas ainda nada se
manifestou em mim, creio. Mesmo depois de tudo, nada. Também me lembro que uma das
primeiras lições que aprendi é que, em geral, as pessoas se espantam quando
escutam falar sobre a morte e isso deve se dar porque tudo tudo tudo acaba um
dia. Sem voltas ou rodeios. As coisas acabam.
Eu não me perdoo por ter deixado
minha plantação de feijão morrer quando eu era pequena, daí por diante não
deixo que minhas palavras consigam morrer também e todas elas se acumulam no
meu corpo como vestígios de doença. Sei lá, parece que eu fico masturbando meus
pensamentos o tempo inteiro: sempre no mesmo movimento, nunca numa conclusão
final. Quando estou feliz, penso em o quê fazer com a felicidade e, quando
estou triste, em o quê fazer com a tristeza. Não chego a nenhuma conclusão em
ambos casos e sigo obsessiva por pensar. Pensando, pensando...
Em dois mil e dezesseis, tive uma
série de pensamentos que só descansaram quando outro pensamento novo substituía
o antigo. Passei o ano todo repetindo para mim mesma que ficaria tudo bem, “ficará tudo
bem”, fiz um milhão de planos B, C, D, E... nada adiantou, nada curou. A cura
nunca fez curar. Um dos últimos pensamentos
obsessivos que eu tive: a minha vida parece como outra
versão da própria vida.
Às vezes penso que tudo isso é
muito triste, porque de fato a gente vai se acabando até o ponto em que se
esquece (nem se lembra de lembrar) e depois de um tempo “Olha como o tempo
passou!”, nós vamos pensar. É estranho, triste, porém bonito: ainda existimos,
mas acabou, morreu. Os pensamentos obsessivos são substituídos. As tristezas
são substituídas. Agora nós somos apenas aquilo que já fomos um dia – isso não
mudará.
É a hora?
Tem coisas que a gente tem que
saber a hora de deixar morrer. Por mais que cause dor, pensamentos obsessivos
ou que a gente nunca na vida se perdoe por isso (como quando a minha plantação
de feijão morreu). Mas é que tem coisa que não apaga, não. Eu sinto que serei
um estandarte de tudo o que vivi ad infinitum. Nessa minha vida que, agora, é outra versão.
Tem tanta coisa aqui que nem cabe.
Tanto para falar.
E não importa que o assunto seja
a morte, pois antes de tudo isso acontecer, em todos os dias que vivi, criei
milhões de pretextos para querer morrer no dia seguinte, eu não me importaria.
Depois de dois mil e dezesseis eu percebi que meus grotescos-pontos-de-vista
sempre foram pequenos demais para eu ter tanta mágoa acumulada. Hoje eu escrevo
para que as palavras possam morrer em paz, que as memórias (tão bem contornadas) possam morrer em paz, mesmo que escrever aqui e agora seja só uma história repetitiva que apenas
espera um motivo minimalista que me faça encontrar libertação. E acho que,
olha, pela primeira vez em todo esse tempo, posso dizer que por mim está tudo
bem. Está tudo bem.