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segunda-feira, 6 de abril de 2020

Escrever para atravessar...

É típico de quem sou: num dia desisto da ideia grotesca de um dia ser escritora e no outro eu me arrisco à escrita. É uma briga interna. Nesse instante, exato e fixo, pareço ter desaprendido de escrever as palavras que querem sair de mim, porém, exatamente por mim, eu estou tentando... Escondida, aqui no meu cantinho, na casa que vivi a maior parte da minha vida, pus-me a escrever um milhão de palavras para aliviar meus medos e confiar que o futuro será melhor. Assim, bem simples. Uma vez, num instante exato e fixo no passado, eu disse que morria de medo de perder novamente as coisas bonitas que eu tinha na vida. E agora, com tudo voltando à tona, imaginei mil acontecimentos terríveis, mal súbitos, mortes irreparáveis, sangue saindo pelas vias aéreas das pessoas doentes e qualquer terror insano que eu não posso falar para ninguém, pois ninguém entenderia. A não ser o Luis. O Luis me entenderia. Mas há ainda muitos medos. Tenho tantos. Mas o que é a vida, senão esses acontecimentos bruscos que trazem terror? Num dia está tudo bem, há felicidade e esperança, e no outro, “puf”, as coisas se estragam. Ao passo que, num dia estamos muito tristes e acontece algo feliz... mas me parece que não há acontecimentos felizes o bastante para mudarem a tristeza. É preciso tempo, recuperação e gasto de energia para atravessar a tristeza. A gente só se recupera dos acontecimentos ruins, nunca dos felizes. Aí, em um dia, não tão de repente assim, as coisas estão bem mais uma vez. Mas hoje? Bem, estamos todos atravessando. O tempo. Buscando recuperação. E gastando energia. E é por isso que pus-me a escrever, porque sinto-me aprisionada em tantos pensamentos que outrora, acredito, não terão mais efeito sobre o meu ser. Isso nunca me havia feito tanto sentido como faz agora, pois não é de hoje que eu imagino tantas coisas terríveis e as supero gradualmente, como um machucado sarando. Necessito apenas que o tempo passe. Todos necessitam. A vida é uma travessia e eu, agora, só espero ter palavras suficientes para atravessá-la.


terça-feira, 16 de abril de 2019

Dentro da minha pele



Não sei mais relativizar o sentir.
Talvez eu nunca soubesse, de fato.

Mas hoje, parece-me que o temor tomou proporções tão maiores,
foi consumindo aqui dentro dos ossos,
corroendo,
como um vírus,
uma bactéria.

Eu sigo.

Sigo observando meus pés que já não andam mais descalços,
desde quando?
Eu também já nem sei.
Eu sigo imaginando que alguém tenebroso me observa,
a todo o momento,
de dentro da minha casa, no quarto, enquanto durmo,
como um fantasma imóvel à porta.

Eu sigo.

Sigo com o meu corpo mal sintonizado,
como um rádio fora da estação,
um corpo fechado, em que nada no mundo possa acessar.

Eu evito.

Não procuro nomes na agenda do celular por medo de arriscar conversar com alguém
e não saber o que falar no segundo seguinte.
Eu não vou mais à rodoviária.
Não ando pelas ruas silenciosas e escuras.
Não exponho meu modo.
E ainda assim,
vivo com um receio impregnado de encontrar os meus fantasmas
lá,
na espreita,
esperando apenas por um descuido meu.

E eu choro, ainda.
Choro em silêncio para ninguém escutar.
Passei a noite inteira imaginando como seria morrer no instante seguinte,
por conta da minha respiração fragmentada
e dedos roxos pela falta de ar.

Eu sigo, evito, choro.

Eu preciso tanto de algo.
Um algo sem-nome que bote fim nisso tudo,
preciso tanto estancar essa coisa
que dói
e que também não tem nem nome,
preciso de um antídoto
ou qualquer coisa que me faça amar minha saúde
mais do que o quanto eu quero estar longe daqui,
noutra estação,
noutro país,
noutro corpo.

Então eu calo.
Calo porque escrevo.
Escrevo porque tenho medo.
Calo porque toda vez que falo, as palavras são tão mal escolhidas,
tão mal interpretadas.
tão sem dignidade...

Calo porque eu não quero, mais uma vez,
ser aquela pessoa no hospital,
que me levou tanta coisa dessa vida.
E a passagem do tempo só faz aumentar o quanto há de medo morando em mim.

E ainda há tanto a falar,
sinto que é inesgotável,
talvez haja para sempre “o que falar”.

E eu falaria.
Eu falaria, se discasse algum número.
Falaria,
se não fosse o medo me esperando na rodoviária
ou parado à porta do quarto. 


Fotografia de @alersonborgesfotografia.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Manuel que dê-me licença poética


Queria não me significar 
com o que é insignificante 
e queria não viver 
como se um segundo 
fosse todo o tempo que importa.
Queria matar 
a insegurança molhada
e plantar orégano 
no jardim de grama falsa. 
Queria não ter 
que me equilibrar
nos segundos restantes 
para ler um trecho de livro. 
Queria que o ar parasse de me faltar.
Queria salvar minha desordem 
aceitar a delicadeza
(que insistem colocar em mim)
e o medo das palavras 
não ditas.
Queria respirar para e por agradecer. 
Queria respirar. 
Mas a vida 
ah, ela é
é o meu tango argentino.

Poesia de Manuel Bandeira.
Fotografia de autoria própria.